segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ramo I - Conto I

Pwyll Pendeuic Dyfed era o senhor dos sete reinos de Dyfed. Certa vez estava ele em Arberth, uma de suas cortes, e sentiu repentinamente o desejo de caçar. A parte de seu país onde desejou fazê-lo era Glyn Cuch. Saiu então de Arberth naquela mesma noite, indo para Pen Llywyn Diarwya, onde pernoitou.
Ao alvorecer, se levantou e seguiu para Glyn Cuch para soltar seus cachorros no meio do bosque. Soou seu corne e começou a caça, indo atrás dos cães e se separando de seus companheiros.

Atento para ouvir o barulho de sua matilha, ouviu entretanto o ruído de outra, um latido diferente se encontrando com o de seus animais. Avistou uma clareira, como um campo aberto, e enquanto seus cães alcançavam a borda, viu um cervo junto à outra matilha, que por sua vez o atacava e derrubava.

Então percebeu a cor da matilha, mal notando o cervo. Entre todos os cães que havia visto no mundo, não havia outros da mesma cor do que aqueles. Eram de um branco ofuscantemente brilhante e tinham orelhas vermelhas. Tão ofuscante quanto o brilho do branco era o do vermelho.

Assim, foi até os cães e espantou a matilha que havia matado o cervo, deixando seus próprios animais se alimentarem dele.

Estando com isto ocupado, pôde ver um cavaleiro vindo atrás da matilha em um enorme cavalo cinza; com um corne de caça ao redor do pescoço e vestes de um material cinza amarronzado, como uma túnica de caça. O cavaleiro se aproximou, dizendo:

"Chefe", disse, "Sei quem és, mas saudar-te não irei".

"Pois sim", disse Pwyll, "és talvez tão importante que não tenhas de saudar-me?"

"Deus sabe", respondeu, "que não é a dignidade de minha posição o que me detém"

"O que é então, chefe?"

"Entre mim e Deus, é tua rudeza e descortesia"

"Chefe, que descortesia terei eu cometido a seus olhos?"

"Nunca vi eu maior descortesia do que a de um homem que espanta a matilha que matou um cervo, e dá-o de comer a seus próprios cães. Esta foi a descortesia, e embora não deseje vingar-me de ti, entre mim e Deus, alegarei desonra de sua parte, exigindo o valor de cem cervos."

"Chefe, se cometi ofensa, ganharei então de volta sua amizade."

"De que forma queres ganhá-la?"

"De uma que seja apropriada à sua posição - não sei quem és..."

"Rei coroado sou, na terra de onde venho."

"Senhor", disse Pwyll, "bom dia. Qual é a terra, esta de que vens?"

"É Annwvyn. Sou Arawn, rei de Annwfyn."

"Senhor, como posso obter sua amizade?"

"Tal é a forma com a qual a terá: há um homem cujo reino faz fronteira com o meu, um que está constantemente em guerra comigo. É chamado Hafgan, rei de Annwfn. Se tirares de mim essa opressão - o que podes fazer com facilidade -, ganharás minha amizade."

"Teria alegria em fazê-lo. Diz-me pois com que meios."

"Eu lhe direi. Podes fazê-lo assim: atarei um forte laço de amizade contigo. Farei isto dando-te meu lugar em Annwfn, e a mais bela mulher que vistes para dormir contigo todas as noites, e minha forma e aparência serão suas, para que nem o pajem nem o camareiro nem ninguém mais que me serve saiba que és tu e não eu. Assim será até o findar de um ano, partindo de amanhã, e então nos encontraremos de novo neste mesmo lugar."

"Pois sim", respondeu, "estarei eu lá durante um ano. Entretanto, que conselho tenho eu de ti para que ache o homem de que falas?"

"Dentro de um ano," disse Arawn, "haverá um encontro entre mim e ele perto do rio. Estarás lá em minha aparência, e um único golpe deves desferí-lo: ele não o sobreviverá. Mesmo que peça que lhe dê outro, não deves ceder. Pois sempre que o golpeio mais de uma vez, se levanta e consegue revidar no outro dia."

"Pois sim", disse Pwyll, "mas que farei de meu reino?"

"Posso lhe assegurar de que não haverá homem ou mulher em teu reino que saberá que sou eu e não tu; Eu irei em teu lugar."

"Muito bem", disse Pwyll, "sigo então meu caminho."

"Desimpedido será teu caminho, e nada se porá nele até que chegues em meu reino. Eu o guiarei até lá."

Guiou-o então até que pudesse ver a corte e as muitas casas. "Lá estão", disse ele, "a corte e o país, sob suas ordens. Vá até a corte: não haverá ninguém que não o reconheça; observando o serviço lá dentro, aprenderás todas as maneiras."

Ele se aproximou da corte, e lá pôde ver quartos de dormir, salões, e câmaras com a mais bela decoração, em construções que jamais alguém havia visto. Foi até o salão para tirar suas botas. Pajens e serviçais vieram para ajudá-lo, e todos o saudaram ao se aproximar. Dois cavaleiros removeram a túnica de caça de seu corpo, e o puseram vestes de ouro brocado de seda. A sala estava preparada. Eis então que viu os membros da corte entrando - os mais exaltados cortesãos que alguém jamais vira. E atrás deles a rainha - a mais bela mulher jamais vista por alguém -, com vestes brilhantes de ouro brocado de seda. Foram se lavar e assentaram-se à mesa da seguinte forma: a rainha de um lado e o Conde (assim supôs) do outro. Iniciaram então conversa com a rainha. Ao falar com ela, viu que era a mais gentil mulher que já conhecera, em modos e conversação. Passaram o tempo com comida e bebida, cantando e festejando. De todas as cortes em que havia estado, era esta a melhor em comes, bebes, navios de ouro e jóias reais.

Chegou a hora de ir para a cama - e para a cama foram, ele e a rainha. No momento em que se deitaram, virou o rosto para o lado, dando as costas a ela. Dali até a outra manhã, não a dirigiu palavra. No outro dia houve entre eles ternura e conversa cheia de afeto. Era muito afável durante o dia, mas não houve uma única noite que não fosse igual à primeira.

Passou ele o ano caçando, cantando e dançando; entre amigos e conversas com seus companheiros até que chegasse a noite do encontro. O mais distante camponês podia se lembrar de tal data tão bem quanto ele próprio. Foi ao encontro, com os nobres do reino. Assim que chegou ao rio, um cavaleiro apareceu, dizendo:

"Bons homens", disse ele, "ouçam bem. Entre estes dois reis é o compromisso, e entre eles apenas. Um tem reclamações contra o outro, sobre assuntos de reino e território. Que todo o resto de vocês vá para trás, e deixe a luta acontecer somente entre eles."

Com isto os dois reis se aproximaram um do outro, no meio do rio. Na primeira investida o rei que estava no lugar de Arawn atingiu Hafgan no meio de seu escudo, o partindo em dois, e toda sua armadura se quebrou, derrubando Hafgan de seu cavalo no chão e inflingindo-o uma ferida mortal.

"Chefe", disse Hafgan, "que direito tens sobre minha morte? Não tinha eu reclamação alguma contra ti e nem sei porque me matas, mas por Deus, já que começaste minha morte, termine-a agora!"

"Chefe", respondeu, "pode ser que eu me arrependa de ter feito o que te fiz. Ache outro alguém para te matar; eu não o farei."

"Meus fiéis companheiros", disse Hafgan, "carreguem-me para longe daqui. A conclusão de minha morte paira sobre mim. Não estou em condição de apoiá-los novamente."

"Companheiros meus" disse o homem que estava no lugar de Arawn, "façam um cálculo e achem todos os que me devem lealdade."

"Senhor, todos o devem fidelidade, já que agora não há além de ti outro rei em toda Annwfn"

"Pois sim", disse ele, "para aqueles que vêm em paz, a recepção será justa. Quem quer que não cooperar, que seja impelido por força de armas". Então recebeu a homenagem dos homens e tomou a posse da terra, e ao meio-dia do dia seguinte ambos os reinos estavam em seu poder. Sendo assim, rumou até o lugar de encontro em Glyn Cuch. Arawn o esperava. Saudaram-se ambos.

"Bom", disse Arawn, "Deus lhe pague por sua amizade. Ouvi toda a história."

"Sim", respondeu, "quando fores ao teu país verás o que por ti fiz."

"Seja o que tiveres feito, Deus lhe pague."

Arawn então deu a Pwyll Pendeuic Dyuet sua forma e aparência, tomando de volta a sua própria. Voltou para sua corte em Annwfn e se alegrou em encontrar a criadagem e os companheiros, não os tendo visto por tão longo tempo. Eles, entretanto, nada sabiam de sua ausência e não estavam mais surpresos com sua chegada do que antes. Passou o dia com júbilo e alegria, conversando com sua esposa e seus nobres. Quando chegou a hora mais propícia a dormir do que a festejar, foram para a cama.

Deitou-se, e sua mulher com ele. A primeira coisa que fez foi falá-la, e com ela se engajar em prazeres sensuais. Estivera a rainha desacostumada com isso durante um ano, e aí está o que pensou: "Ó Deus", se perguntou, "que outro pensamento é o desta noite, tão diferente do que esteve nele no último ano?". Pensou nisso por longo tempo. Depois, ele acordou e tentou falá-la uma, duas e mais uma terceira vez, sem que pudesse obter resposta.

"Por que não falas comigo?"

"Eu o direi", ela respondeu, "por um ano não falei tanto como agora".

"Por quê", disse ele, "se estivemos conversando o tempo todo?"

"É vergonhoso dizer", respondeu, "que no último ano, toda vez que entrávamos nas roupas de cama, cessava de existir a afeição; não havia conversa nem viravas a face para olhar para mim; muito menos qualquer outra coisa aconteceu entre nós.”

Então ele começou a pensar. "Senhor Deus", disse a si mesmo, "amigo unicamente forte e resoluto é este com quem travei amizade."

Falou à sua mulher: "Senhora", disse, "Não deves culpar-me. Entre mim e Deus, não dormi contigo durante um ano desde a noite passada, e nem me deitei aqui". A ela contou assim toda a história.

"Por Deus", disse ela, "uma fortaleza tens em seu amigo, por guardar-se da tentação carnal e manter boa fé contigo!"

"É isto em que pensava enquanto estava silencioso contigo".

"Não me admiro", ela respondeu.

Quanto a Pwyll Pendevic, voltou a seu país e a suas terras, e perguntou aos nobres como Sua Alteza havia agido durante o último ano, em comparação ao que antes disso tinha sido.

"Senhor", disseram eles, "nunca foi tua sabedoria tão boa; nunca houve companheiro mais afável ou liberal em gastar seus bens, ou seu governo tão justo quanto durante este ano."

"Entre mim e Deus", respondeu ele, "seria para vocês melhor agradecer ao homem que estava realmente aqui. Esta é a história, como aconteceu." E Pwyll contou a eles todos o ocorrido.

"Pois sim, Senhor", disseram, "graças a Deus por ter lhe dado tal amizade. E o bom senhorio que tivemos no último ano, estamos certos de que não o tirará de nós."

"Não o farei, entre mim e Deus."

E daí em diante, uma forte amizade começou entre os dois, cada um presenteando ao outro com cavalos, cães, águias e outros tipos de tesouros que achavam que seria agradável ao gosto do companheiro. E por causa de sua permanência naquele ano em Annwfn, de seu reinado tão próspero lá, e da junção de dois reinos em um por causa de sua resiliência e poder de luta, o nome “Pwyll Pendevic Dyfed” caiu fora de uso, sendo ele então reconhecido como “Pwyll Pen Annwvyn” pelo resto de seus dias.

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